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Abraço ao inesperado
O inesperado é uma constante. E esses últimos meses vieram escancarando — para todos — que a vida, nosso dia a dia, os negócios e marcas, não funcionam na linearidade em que muitos de nós gostaríamos.
Existe — quando se pode — uma certa resistência ao fluxo que o mundo nos apresenta, um comodismo com o pensamento linear. Quer-se ir de um ponto a outro, traçando planos e linhas retas, e seguir adiante, como se assim fossem nossos dias e nossas vidas. Se tem planos supostamente certeiros que devem ser cumpridos à risca e, assim, a adaptabilidade é deixada de lado.
O que encaramos hoje é um fluxo que desafia a ilusão da linearidade, e evidencia as curvas e os obstáculos inesperados. Coisas que, em verdade, sabemos que podem aparecer, já que desde sempre a vida não seguiu planos à risca. Inclusive, estudiosos tratam do tema de forma incessante, através de teorias das mais variadas denominações.
Quando Zygmunt Baumann falou sobre os tempos, amores e modernidade líquidos, referiu-se a mudanças constantes. Também e de forma muito própria, o Budismo nos apresentou o conceito de impermanência dos dias e da vida. Além de tantas outras abordagens ao tema — sugiro, a quem interessar, o olhar sobre o mundo que a Escola Shumacher provoca, trazendo nomes como Satish Kumar, Tim Ingold, Patricia Shaw e outros autores.
“Os peregrinos seguem o conselho: ‘Não posso mudar a direção do vento, mas posso ajustar as velas para chegar ao meu destino’.” Satish Kumar, em Simplicidade Elegante
De todo modo, é cômodo pensar de forma linear, gera uma sensação de segurança, de controle e sossego. Assim, estar pronto para abraçar o que é inesperado é algo que exige prática, vivência — particularmente tive dificuldade em lidar com o tema a nível pessoal, já que planos foram alterados e tiveram que ser adaptados o tempo todo, o que já aconteceu, por vezes, antes do fatídico março de 2020. Mas confesso que vivi isso muito mais intensamente a partir desta data.
Desse modo, aprendemos que abraçar o inesperado é também entender que nem sempre estamos prontos: é preciso parar, analisar e criar alternativas para receber a mudança a partir de uma nova realidade. Com isso, entender contexto e capacidades é fundamental: muitos de nós temos a possibilidade, por motivo ou outro, de amenizar e transpassar com mais facilidade o que se colocou no caminho inesperadamente.
Dentre estes, alguns possuem os recursos financeiros e operacionais necessários, outros têm a capacidade de transformar obstáculos em trampolins, outros ainda, os usam como fundação para criar algo novo. O fato é que ainda seguiremos um plano, mas este deve ser flexível a ponto de conseguir se adaptar mais rapidamente ao fluxo que nos é apresentado de surpresa, de forma consistente e autêntica.
Afinal de contas o planejamento que fazemos, da lista do dia a dia a grandes estratégias de marca, não pode servir de amarra ou antolho — daqueles que se coloca para que os cavalos foquem apenas em um caminho fechado quando estão transportando algo ou fazendo travessias. O planejamento, pelo contrário, deve servir como guia e propulsor, para que quando encararmos o inesperado, estejamos mais preparados para responder a ele e usá-lo a nosso favor.